A indicação de Fernando Haddad ao Ministério da Fazenda no terceiro mandado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi recebida com reações mistas pelo mercado. Logo quando foi nomeado, o ministro anunciou planos de apresentar a nova âncora fiscal do governo ainda no primeiro semestre do ano e reorganizar as contas públicas. Com sete meses no cargo, Haddad conseguiu conquistar a aprovação do mercado e de especialistas, chegando a ser avaliado positivamente por 65% dos entrevistados para uma pesquisa da Genial/Quaest de julho deste ano. O crescimento da popularidade do economista esteve atrelado às articulações com o Congresso Nacional para o avanço da reforma tributária e outras medidas fiscais do governo. Em maio deste ano, como a Jovem Pan mostrou, o chefe da equipe econômica era elogiado, de forma pública ou nos bastidores, pelos principais caciques do Legislativo, em um momento em que dois dos principais ministros do governo Lula, Alexandre Padilha e Rui Costa, eram alvo de duras críticas. Contudo, os bons ventos parecem ter mudado para o ministro da Fazenda, que conta com apenas 46% de avaliação positiva atualmente, segundo o levantamento da Genial/Quaest. Especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan apontam que as crescentes dúvidas sobre a capacidade da equipe econômica de cumprir suas promessas estão diretamente relacionadas à queda na popularidade de Fernando Haddad.
Na última semana, Lula chegou a afirmar que dificilmente sua gestão vai conseguir garantir que as contas públicas terminem o ano de 2024 com déficit zero, meta prevista no Projeto de Lei Orçamentária Anual. Para muitos atores políticos, a declaração foi um constrangimento e descrédito para Haddad, que busca por um equilíbrio nas contas públicas. Advogado, economista e conselheiro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alessandro Azzoni observa que, desde o início da nova gestão, o Ministério da Fazenda e do Planejamento buscaram encontrar caminhos para que o arcabouço fiscal fosse executável, localizando fontes de arrecadação que estavam presas em discussões jurídicas e indicando para o mercado financeiro que estavam tentando corrigir o problema fiscal. “Era o que o mercado mais queria. Contudo, hoje as promessas parecem difíceis de serem cumpridas, primeiro pelo discurso desconexo do presidente Lula. Da mesma forma com o Congresso Nacional. Se a articulação política do governo federal fosse mais atuante, Haddad teria mais força e representatividade. Hoje, ele precisa demonstrar e provar que tudo que foi apresentado será cumprido”, avalia.
Dez meses de montanha-russa política
No primeiro semestre do ano, Haddad chegou a receber diversos elogios pela condução da política econômica e pelo avanço de pautas prioritárias para o governo no Congresso. Contudo, o segundo semestre tem sido marcado por uma estagnação de projetos essenciais para o Ministério da Fazenda. Alessandro Azzoni observa que parlamentares se aproveitaram das demandas da gestão petista para negociar emendas e cargo, travando as pautas prioritárias do governo no Congresso Nacional. “Conforme avança, o tempo fica mais curto para o governo federal, que precisa aprovar a Lei Orçamentaria Anual dentro das normais fiscais impostas pelo arcabouço fiscal. A gestão de Lula venceu a eleição com um Congresso Nacional sem base e com oposição. Durante o ano, partidos de oposição tornaram-se aliados. O problema é que o momento é outro. Estamos com um cenário internacional com risco de recessão mundial, economias como a chinesa e as europeias sinalizando desaceleração, e os Estados Unidos com problemas inflacionários. O Brasil seria a opção melhor de investimento diretos e indiretos, pois o único problema que temos é o fiscal. Mas parece que o Congresso Nacional não tem o mesmo foco de recuperação econômica”, considera.
Especialista tributário e CEO da Tax All Consultoria Tributária, Eduardo Araújo observa que requer muito esforço negociar tantos projetos no Congresso Nacional de uma única vez, além de conduzir a tramitação de uma emenda de proposta de reforma tributária. “Conseguir apoio exigirá diálogo político. Se as metas não forem atingidas, segundo as regras fiscais, os gastos ficarão limitados a uma margem da receita, impedindo medidas com apelo dos congressistas para o desenvolvimento regional e articulações de cargos públicos. A estratégia do governo envolve mostrar disposição em negociar com partidos para aprovar projetos no Congresso. Para conquistar outra ala do Congresso, o poder Executivo deve demonstrar planos de revisão de gastos para 2024, buscando equilíbrio fiscal. Além disso, o apoio da Justiça em processos tributários é necessário para consolidar vitórias do governo sobre questões que limitam reduções tributárias para as empresas”, analisa.
O especialista tributário também opina que o governo deveria ter priorizado melhor as principais pautas a serem aprovadas no Congresso, para que não houvesse tanta demora na tramitação de medidas essenciais. “Foram apresentadas pelo governo receitas superestimadas, que boa parte não se conseguiu efetivar, e a falta de atenção dos Estados no trabalho com o balanço dos gastos. Talvez seja mais eficaz o governo admitir os ajustes fiscais necessários, mesmo diante da previsão de um déficit, garantindo um compromisso ativo com a reestruturação das contas públicas”, sugere.
Em busca do déficit zero
Alessandro Azzoni indica que para que o governo federal cumpra a meta fiscal de 2024 seria necessário um aumento entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões na arrecadação. “Nos outros mandatos do governo Lula, o sistema era outro. Existia somente a responsabilidade fiscal, mas não a limitação de gastos, que foi aprovada no governo Temer. Portanto, essa nova regra de limitar gastos ainda é muito complexa para o presidente Lula. Isso explica os discursos contrários. Mas o Ministro da Fazenda sabe da importância da estabilidade fiscal para que o Brasil continue no foco dos investidores. Entre as medidas saneadoras para zerar o déficit primário estão a taxação de rendimentos de fundos privados fechados, que permeiam a população mais rica, além da revisão dos gastos tributários. Esse último ponto passou pela reforma tributária sem a devida atenção, ou seja, os diversos processos tributários que buscam a desoneração e a restituição dos valores pagos pesam dentro do orçamento do governo”, pontua.
Azzoni ainda cita outras medidas com potencial arrecadatório, como: o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que permitiu a tributação de IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais do ICMS e pode trazer um aumento de arrecadação entre R$ 80 bilhões; o projeto de lei que muda o regramento dos preços em transações internacionais, que pode gerar R$ 25 bilhões adicionais; o programa Remessa Conforme, que tributa as empresas de e-commerce até US$ 50 dólares, e poderá trazer um incremento na arrecadação de R$ 9 bilhões; e o voto de qualidade no CARF, que pode impactar positivamente em mais de R$ 65 bilhões. “Mas, tudo isso sem redução dos gastos públicos e com o avanço da reforma administrativa, o trabalho do Ministro Haddad pode ser em vão”, pondera.
Eduardo Araújo indica que o governo tem buscado diversas alternativas para aumentar a arrecadação e cumprir a meta fiscal. Contudo, ele questiona que se, em um país que já possui uma das maiores cargas tributárias do mundo, a melhor ou a única saída seria de fato aumentar a arrecadação com a criação indireta de formas de tributar mais as empresas e os contribuintes. “A ação mais saudável seria fazer o que toda família faz quando está no aperto financeiro: reduzir as despesas com o corte de gastos desnecessários. Ou, em um ponto de vista empresarial, melhorar a produtividade sem aumentar custos, investir em gestão administrativa para permitir que o Estado brasileiro seja mais eficiente e gere melhorias na produção do PIB”, pondera. Ele conclui afirmando que não basta apenas atuar na frente de aumento de arrecadação, é preciso colocar medidas efetivas na prática de revisão e redução dos gastos públicos.