Condenado a 39 anos de prisão em regime fechado pelo assassinato da publicitária Mariana Menezes de Araújo Costa Pinto, em 13 de novembro de 2016, o empresário Lucas Leite Ribeiro Porto aguarda julgamento de recurso pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão marcado para esta quinta-feira, 31 de agosto.
Por decisão do desembargador José Luís Oliveira Almeida, relator do processo, houve adiamento da primeira data do julgamento do recurso, que seria em 20 de julho deste ano.
Lucas Porto foi condenado como autor ‘confesso’ do assassinato de Mariana Costa pelas qualificadoras feminicídio, asfixia, impossibilidade de defesa e ocultação de provas. Recebeu mais nove anos de prisão por estupro. Entre o crime e o julgamento transcorreram quase seis anos. Durante este período diversas manobras protelatórias foram interpostas pela defesa do réu.
Dentro do sistema prisional existe um lugar chamado seguro, reservado pela Administração penitenciária, onde estão autores de feminicídio e condenados por estupro. Eles ficam em um lugar à parte.
Apenado na Penitenciária de Pedrinha, Lucas Porto tem militado na internet para tentar reverter a opinião pública. Criou a página Lucas Inocente. Dois anos após o julgamento que se arrastou por quatro dias em julho de 2021, o condenado, por meio de autorização judicial, repetiu cenas de cinematografia, apresentando sua narrativa sobre o homicídio e apontando falhas no processo.
Julgamento histórico – O julgamento de Lucas Porto foi algo incomum, não somente pela repercussão, mas pelos procedimentos.
Testemunhas trancafiados em hotéis durante os cinco dias de júri, entre 5 e 9 de julho de 2021; transmissão com utilização de telões para o público; alegação de insanidade…
O caso Mariana Costa é recordista em quantitativo pericial na história de feminicídios do país. Foram 35 laudos periciais, realizadas pela perícia oficial e perícia contratada, com intenção de contrapor pareceres oficiais.
Na tentativa de induzir o Tribunal do Júri, peritos contratados pelo então réu tentaram colocar uma terceira pessoa na cena do crime, a partir de uma confusão sobre material genético. Foi uma intenção de recorrer à tese da legítima defesa da honra para, assim, anular o júri, embora desde 1992 a tese tenha sido desmontada pelos tribunais.
No ano anterior ao caso Mariana, a ONU Mulher havia publicado o manual Diretriz Nacional para Investigar, Processar e Julgar as Mortes Violentas de Mulheres com Perspectiva de Gênero tratando sobre o tema.
Foi a robustez das perícias que derrubou as argumentações da banca de oito advogados importados por Lucas Porto, comandada pelo professor da Universidade Católica de Santos (SP), Ricardo Ponzetto. O escritório de Ponzetto é especializado na seara do Tribunal do Júri, atuando desde a primeira fase do procedimento “judicium accusationis”, até a defesa no Plenário, denominada como a segunda fase, “judiciun causae”, com centenas de júris realizados.
Para o advogado Erivelton Lago, o procedimento especial do Tribunal do Júri é muito complexo, diante das regras e exceções. Ele alerta sobre os cuidados que magistrados, promotores de Justiça e advogados a partir do momento da instrução em plenário até o momento do julgamento na sala especial. “Por conta dessa complexidade, ocorrem muitos erros, e, portanto, qualquer decisão pode ser revista pelos tribunais superiores, independentemente da repercussão do fato”, ressalta Lago.
Em seu Jus Esperniandi na internet, em outdoors e panfletagens públicas, Lucas Porto tenta se distanciar do trágico e cruel episódio, tingindo com nuances da dúvida.
A insistência do condenado é apontar falhas processuais. Em vídeo recente em que o caso é tema de um podcast, o renomado advogado Roberto Guastelli tenta desqualificar a perícia do estado do Maranhão, apontando falhas processuais, especialmente nas perícias.
“É comum haver falhas durante um julgamento pelo júri; porém algumas delas devem ser arguidas durante a sessão, ali na hora, sob pena de preclusão. Em relação aos quesitos que são levados à apreciação dos jurados, o juiz, depois da sua elaboração, pergunta ao advogado e ao promotor se eles têm alguma reclamação a fazer. Se não reclamarem naquele momento, dificilmente vão poder reclamar, com razão, junto aos tribunais superiores. Outras falhas ocorrem durante a instrução preliminar, e é em cima dessas possíveis falhas que os advogados estão trabalhando. Todavia, não conheço o processo e, consequentemente, não conheço as suas falhas”, explica Erivelton Lago, com experiência de êxitos sucessivos em Tribunal do Júri.
A diretora da Casa da Mulher Brasileira, Susan Lucena, compara sobre o caso do homicídio de Mariana Costa. “Em nível de Brasil e também no Maranhão, não havíamos visto um caso tão estratosférico”, mensura.
Susan Lucena acredita que Lucas Porto tenta induzir a opinião pública apresentando uma narrativa. “Há duas formas de construção de pensamento: uma por dedução e outra por indução. O Lucas age por indução. Ele pega uma coisa e tenta induzir para chegar a uma determina situação. Ele pega os laudos periciais e tenta distorcer tudo”, analisa. Para a diretora da casa, Lucas trabalha uma versão dos fatos para induzir as pessoas a pensarem que ele é inocente, embora seja réu confesso.
Ela foi processada pela família de Lucas Porto por ter dado entrevista após o pronunciamento do réu em quatro qualificadoras. “Falei sobre dados técnicos. Não o chamei de feminicida nem fiz afirmação nesse sentido. Primeiro porque somente poderia assim fazer se ele já houvesse sido condenado”, recorda.
Feminicídio em escala no Maranhão
No ano do caso de Mariana Costa, 2016 , 47 mulheres foram assassinadas no estado do Maranhão, número 15% menor que o de casos de 2015. Nos anos subsequentes as ocorrências oscilaram para cima, atingindo recorde no ano passado, com 69 casos. Em oito anos foram quase 450 casos no Estado.
O Maranhão é o único estado do país com Departamento de Feminicídio.
A Casa da Mulher Brasileira tem atuado na prevenção. “Em regra, as mulheres que passam por aqui não são vitimas de feminicídio, mas potenciais vítimas. Até hoje somente uma mulher que nos procurou foi vítima de feminicídio. Mas ela foi à casa dele. Em regra, a medida protetiva evita o feminicídio”, afirma Susan Lucena. Ela calcula que deve haver queda de 40% nos casos este ano no Maranhão.
Nos presídios do estado, o número de presos que desobedecem às medidas tem aumentado.
Em quase todos os casos, não houve advogados atuando na acusação do réu, situação que se repete ainda na atualidade.
No Tribunal de Júri geralmente atuam o advogado de defesa e aqueles convocados pelo Ministério Público como advogados assistentes da acusação. A advogada Patrícia Pestana aparece como destaque na condição de advogada das vítimas de feminicídios.
Casos no estado
2015 – 35
2016 – 47
2017 – 51
2018 – 46
2019 – 53
2020 – 65
2021 – 47
2022 – 69
2023 – 31 casos até agosto