A ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a China e suas recentes declarações sobre o conflito na Ucrânia fizeram com que o Brasil fosse acusado pelos Estados Unidos e a União Europeia de ser favorável aos russos. Essa aproximação com outros membros do Brics coloca o país na disputa de Washington e Pequim pela hegemonia mundial, tensão que aumentou nos últimos anos e que cada dia mais ganha um contorno diferente. A latente lealdade de Brasília aos chineses estressa os americanos porque, além de perderem um possível aliado para seu principal inimigo, também coloca em risco a segurança no país. Pequim ganha uma posição no “quintal” do inimigo. “O Brasil é o que classificamos na política internacional como estado pivô. Não é grande potência, mas não é irrelevante para ser ignorado. E Estados assim podem tanto ir para um lado como para o outro”, explica, ao portal da Jovem Pan, Vinícius Rodrigues Vieira, professor-adjunto em economia e relações internacionais na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). “Por mais que os interesses das suas potências sejam geopolíticos, toda e qualquer questão envolvendo não só o Brasil, como outros países da América Latina, está relacionada à segurança dos EUA. Porque faz com que a China atinja uma posição melhor no quintal do inimigo”, explica. Um memorável exemplo é a Crise dos Mísseis, em outubro de 1962, um incidente diplomático entre Washington e União Soviética devido à instalação de mísseis russos em Cuba.
Apesar desse descontentamento norte-americano, Vieira acredita que foi o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva que colocou o país no centro da disputa entre EUA e China. “Lula pretende ampliar o status internacional do Brasil após um período em que o país foi visto como pária durante o governo anterior.” Porém, Vieira destaca que o atual mandatário está “saído do 8 e indo para o 80 em questões que não dizem respeito diretamente a nós”. Ele se refere às falas de Lula sobre a guerra na Ucrânia, dizendo que Washington incentiva o conflito no Leste Europeu e que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é tão culpado quanto o russo Vladimir Putin. “O governo brasileiro sinaliza neutralidade, mas o presidente deu declarações desastrosas nos últimos dias. Disse que o chefe de Estado da Ucrânia não poderia ter tudo e que seria necessário abrir mão de territórios para Rússia em troca de encerrar conflito, o que é visto como ultrajante. A Ucrânia nunca vai aceitar, isso foi reduzindo a percepção de que Lula queria ser um autor neutro”, observa o professor. Um posicionamento como esse vai contra o que o Brasil defende e elimina a chace de o petista conseguir ser o mediador do conflito e, quem sabe, realizar o sonho de conquistar o prêmio Nobel da Paz. O chefe do Executivo brasileiro chegou a apresentar um projeto de paz quando a guerra completou um ano, no dia 24 de fevereiro. Viana, no entanto, alerta que sozinho o Brasil não consegue fazer com que a Rússia e a Ucrânia conversem. Ele vai precisar de aliados dos dois lados, como a China e a França, que já se mostrou não estar 100% alinhada com os EUA.
Ao portal da Jovem Pan, o professor de relações internacionais da UAM João Estevam declarou que a reformulação da política externa brasileira sob governo Lula visa conseguir parar a guerra na Ucrânia e mostrar ao mundo que é capaz de mediar um diálogo entre o Ocidente e as grandes potências do oriente. “O Brasil, a partir do governo Lula, tenta se inserir na relação entre as grandes potências, algo parecido com o que vivemos no primeiro e segundo mandato do Lula. Neste caso, com a principal disputa entre as grandes potências está ligada à guerra, o país está tentando se colocar como mediador, inclusive com a implantação de um grupo da paz”, destaca o especialista. Por ser um país importante economicamente, o Brasil ainda está entre as maiores ecomimias do munto — tem recursos naturais e, em comparação aos países em desenvolvimento, é o mais bem-acabado da América Latina e do Sul-Global. Isso faz com que o país alcance certa voz em questões internacionais — além do destaque como importante ator nas questões mais delicadas na região. Desde o século XX, o país tem buscado ser o mediador da periferia com as grandes potências. “Ele sempre busca ser o porta-voz de mediações e Conseguimos ver isso no G20, aproximação com o Brics e a busca do Brasil de conseguir assento permanente no Concelho de Segurança da ONU”.
Estevam também afirma que, mesmo que os recentes passos indiquem o Brasil pendendo para o lado do Oriente, isso não significa que o país deixará de tentar relações com os EUA. No momento, ainda consegue manter o equilíbrio nas conversas com os dois países. Prova disso foi Lula ter ido primeiro se encontrar com Joe Biden, líder norte-americano, antes de se reunir com Xi Jinping, chefe de Estado chinês. Outra amostra é o faro de incluir os EUA no Fundo Amazônia — no dia 20 de abril, Biden anunciou um possível repasse de US$ 500 milhões, valor dez vezes maior do que o que tinha sido prometido inicialmente, em fevereiro, durante seu encontro com Lula. O professor também explica que Pequim e Washington têm interesses coincidentes no Brasil. Os EUA focam mais na parte financeira, enquanto a China visa a infraestrutura, comunicação e tem setores que abrangem a tecnologia — e é aqui que as duas potências competem. Segundo Vieira, o recente posicionamento norte-americano mostra que o governo petista já atinge um de seus objetivos: fazer com que o país deixe de ser pária e volte a figurar na comunidade internacional. Ele só alerta que a única barreira nesse momento para que Lula não alcance o prestígio que conquistou há 20 anos é não se mostrar neutro na questão da Ucrânia.