Deputados federais de São Paulo destinaram mais de R$ 30,4 milhões em emendas parlamentares para fora do Estado em 2024. Desde o início do mandato, em 2023, os repasses interestaduais já somam cerca de R$ 55 milhões. Ao todo, 22 parlamentares paulistas enviaram recursos para outros Estados nesse período.
Embora não seja ilegal, a prática contraria o discurso de representatividade adotado pelos próprios congressistas, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. A ampliação desse tipo de repasse também entrou no radar do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu essa manobra para as emendas Pix, modalidade que permite transferência direta de recursos públicos sem transparência.
Em 2024, Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL) destinou R$ 500 mil a Alcântara, no Maranhão. O deputado de São Paulo, descendente da antiga família imperial, é conhecido como “príncipe”. Ele é trineto da princesa Isabel. No total, ele repassou R$ 1,9 milhão a outros Estados. O deputado paulista Vicentinho (PT) destinou R$ 300 mil para Parnarama (MA), com cerca de 31 mil moradores.

O levantamento do Estadão, com base na plataforma Central das Emendas, considerou apenas emendas individuais, incluindo a modalidade Pix, que foram empenhadas, ou seja, que já tiveram o pagamento autorizado pelo governo. Por definição, esse tipo de emenda foi criado para atender demandas locais, sob o argumento de que os parlamentares conhecem de perto as necessidades da própria base eleitoral.
Para Maria Atoji, da Transparência Brasil, o uso das emendas individuais para enviar recursos a outros Estados tem se tornado cada vez mais estratégico e recorrente, muitas vezes desconectado da lógica territorial que os próprios parlamentares dizem defender.
Ela ressalta que, embora os R$ 55 milhões enviados por deputados paulistas a outros Estados representem pouco mais de 3% do total pago em emendas em 2023 e 2024, o impacto é significativo no contexto municipal.
“Não se trata apenas do percentual, mas do princípio: as emendas individuais foram criadas para atender demandas locais. Quando os recursos são enviados para fora, é preciso questionar se isso está realmente alinhado ao papel de representar a própria base eleitoral”. A destinação de emendas a outros Estados deve vir sempre acompanhada de uma justificativa clara, com explicações não apenas aos eleitores, mas também aos órgãos de controle.
STF proibiu envio de emendas pix para outros Estados
Em 2024, o ministro Flávio Dino proibiu que emendas Pix fossem destinadas a Estados diferentes do reduto eleitoral do parlamentar, salvo em casos de projetos de abrangência nacional. A medida pode abrir caminho para restrições em outras modalidades, como as emendas individuais de objeto definido, explica Humberto Nunes Alencar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
Para Alencar, a decisão escancara um problema mais amplo: o descolamento crescente entre a lógica das emendas e o princípio da representação. “A ideia de que o parlamentar destina recursos para os locais que conhece e onde foi eleito cai por terra”, afirma.
O pesquisador pontua ainda que a prática dos parlamentares fragmenta ainda mais o orçamento, enfraquece o planejamento e favorece políticas públicas improvisadas, muitas vezes guiadas por interesses individuais e descoladas de prioridades estruturantes. ” O sistema de emendas é distorcido e não pode continuar assim”, completa.